8.4.08

Alguém lúcido

Estatísticas e sucesso escolar

"Poucas estatísticas são mais falíveis que as do
sucesso escolar, antes de mais porque é um conceito
impossível de quantificar. O primeiro impulso é para
se associar a noção de sucesso escolar às
classificações dos alunos. Contudo, estas assentam num
equívoco que até agora não foi resolvido por nenhum
governo e que o actual veio agravar. Até há 20 anos,
as classificações estavam directamente relacionadas
com as aprendizagens. Contudo, com o advento da escola
inclusiva, o paradigma tem vindo a alterar-se
progressivamente. Actualmente, as classificações,
sobretudo, até ao 3º ciclo e nos cursos
profissionalizantes, não reflectem apenas as
aprendizagens dos alunos, centrando-se também na sua
progressão, de acordo com as suas possibilidades e
capacidades. 

Ora, entre estas duas realidades vai um abismo e
não pode haver estatísticas sérias se não sabemos o
que estamos a medir. O conceito de escola inclusiva é
incompatível com a existência de exames, sobretudo,
nacionais. Por sua vez, os exames nacionais constituem
um instrumento independente de avaliação dos alunos e
é hoje consensual que devem existir. Há aqui uma
contradição que não pode deixar de ser urgentemente
resolvida. 

O mundo empresarial exige uma escola onde haja
aprendizagens efectivas e padronizadas, de forma a que
os futuros trabalhadores ou empresários possam
competir num mercado cada vez mais globalizado. Neste
paradigma, os exames são a cereja em cima do bolo,
permitindo aferir de forma padronizada essas
aprendizagens. 

Contudo, o País também exige que não haja exclusão
e abandono escolar, o que só é possível numa escola
onde cada um possa aprender ao seu ritmo, tendo em
atenção o contexto, social, cultural e familiar do
aluno. Ora, se cada um aprende ao seu ritmo, as
aprendizagens não podem ser padronizadas e, portanto,
também não pode haver exames, que, por definição,
avaliam conhecimentos-padrão. 

O actual sistema de ensino vive nesta ambiguidade,
o que lhe vale a acusação, merecida, de facilitista. A
culpa não é dos alunos nem dos professores, mas da
indefinição do modelo de sistema de ensino. Se um
professor privilegia os alunos com mais dificuldades,
terá necessariamente de diminuir o grau de exigência
das matérias a leccionar. Consegue assim combater o
abandono escolar e obter sucesso estatístico, mas as
aprendizagens, com o nível e profundidade desejadas,
não são realizadas. O nívelamento por baixo prejudica
os alunos com maiores capacidades, que se queixam e
com razão. 

Ao invés, se um professor tenta nivelar o nível de
ensino por cima, de forma a garantir um ensino de
qualidade, privilegia os melhores alunos e conduz os
piores alunos a maus resultados estatísticos (embora o
ensino ministrado possa ser de qualidade). Consegue
assim dar uma boa preparação a uma parte dos alunos
que conseguem acompanhar o ritmo da formação, mas
obtém insucesso estatístico, porque alguns alunos não
corresponderam à exigência das aprendizagens.
Queixam-se os alunos com mais dificuldades e com
razão. 

Como se vê, a coexistência do ensino inclusivo,
centrado no aluno, com o ensino padronizado, centrado
nos conteúdos programáticos, na mesma turma, não
produz resultados optimizados e a sua manutenção
pressupõe um preço a pagar pela sociedade, que terá
sempre de ser tolerante com os resultados
estatísticos. Contudo, o que vimos nestes últimos três
anos é que o País está sujeito ao primado das
estatísticas, numa obcesão, nem sempre salutar, de
ficar a par dos valores médios da União Europeia. 

Sendo assim, há que tirar ilacções: se o País quer
resultados maximizados, terá de separar os dois tipos
de ensino, seja a nível de escola ou de turma. A
indefinição do actual sistema não satisfaz nem
governos, nem alunos, nem professores, acabando estes
por ser injustamente responsabilizados por resultados
que são uma consequência do próprio sistema. Criar
escolas de nível não me parece possível em termos de
aceitação social, restando assim a hipótese de
formação de turmas de nível dentro da mesma escola.

A ideia igualitarista de que todos os alunos têm
capacidade para aprender as mesmas matérias durante um
ano lectivo é uma ficção. Não há estratégias,
professores ou políticas educativas que consigam
contornar esta impossibilidade. E quando, por vezes,
nalgumas escolas ditas modelo se fala em grande
sucesso, estamos a falar de sucesso estatístico
conseguido com medidas paleativas. Em Educação, não há
milagres. 

Queixa-se o Ministério da Educação de que os
resultados escolares dos alunos são muito inferiores à
média europeia. Em primeiro lugar, porquê tanta
estranheza e incomodidade? Por acaso, a economia
portuguesa está ao nível da União Europeia? A
indústria? A agricultura? A Justiça? O sistema de
saúde? Ora, se todos os sectores do País têm índices
abaixo da média da União Europeia, porque carga de
água a Educação haveria de ter índices iguais ou
melhores?

Naturalmente, os níveis de desenvolvimento são
sempre condicionados pelo contexto e pela herança do
passado. Os pais dos nossos alunos têm habilitações
médias iguais aos do resto da União Europeia? Portugal
continua com 9% de analfabetismo, flagelo que nos
países do Norte da Europa foi erradicado há 100 anos!
As ocondições de vida dos alunos portugueses são
iguais às dos alunos da União Europeia? A verdade é
que muitos alunos portugueses continuam a vir para a
escola mal alimentados, mal vestidos e a viver em
casas abarracadas, sem qualquer dignidade e conforto.
A assistência na saúde dos alunos portugueses é igual
à da média da União Europeia? Ora, Portugal não tem
sequer uma rede de saúde mental a nível nacional. As
crianças e jovens portugueses com problemas
comportamentais e de saúde mental, e muitos são, ou
não fossem também os mais maltratados da Europa,
esperam meses por uma consulta que, geralmente, nem
sequer tem continuidade. Ou, pura e simplesmente, nem
sequer têm assistência. 

Quem conhece a realidade educativa em Portugal
sabe que estas são as reais causas do insucesso
escolar. É raríssimo um aluno de classe média, com
uma família equilibrada e pais que lhe dêem a devida
atenção, ter maus resultados escolares. Se dúvidas
houvesse de que o problema do ensino não passa pela
qualidade do corpo docente, esta simples constação
desmontaria tal tese. 

Sucesso escolar

Como afirmei, neste sistema de ensino não há - nem
pode haver - uma relação linear entre as
classificações dos alunos e as aprendizagens. A noção
de escola inclusiva implica que os objectivos da
avaliação variem de turma para turma e até de aluno
para aluno. Portanto, uma turma ou aluno que não
possui os pré-requisitos para cumprir o programa da
disciplina beneficia de um plano com objectivos
diferentes, frequentemente, com objectivos mínimos. 

Embora alguns, professores incluídos, classifiquem
a escola inclusiva de facilitista, o facto é que, não
há alternativa válida: o aluno aprende o que pode e
quem aprende o que pode a mais não é obrigado. Por
vezes, o aluno apresenta-se na sala de aula tão
desestruturado e a resistência à aprendizagem é tão
pronunciada que pouco mais resta ao professor que
conseguir alguns ganhos em termos de socialização. 

Aliás, a socialização dos alunos, embora não
figure nas estatísticas e, portanto, não seja
reconhecida pelo poder político, não é um ganho menor,
antes pelo contrário. E, se mérito tem o actual
sistema de ensino, é o de importantes ganhos ao nível
da socialização. Embora haja quem acredite que os
alunos hoje são mais mal educados, a verdade é a
oposta (raras são as cenas de pancadaria na
generalidade das escolas, o que não acontecia há 10,
20 ou 30 anos). Hoje haverá, quanto muito, uma maior
irreverência da parte dos alunos, mas estamos a falar
de conceitos diferentes. E poderemos mesmo dizer que
uma certa irreverência, com limites, não deixa de ser
saudável num adolescente. 

Alguns comentadores de pena leve olham para as
estatísticas de insucesso escolar e manifestam a sua
incontida indignação pelos resultados. Contudo, se as
estatísticas reflectissem apenas as aprendizagens tout
court dos alunos, o panorama seria bem mais negro.
Muitos dos resultados positivos vertidos nas
estatísticas reflectem apenas modestos progressos dos
alunos e não aprendizagens significativas. Contudo, a
responsabilidade deste insucesso relativo jamais
poderá ser seriamente atribuída aos professores, uma
vez que resulta de problemas a montante da sala de
aula que, em última análise, cabe ao poder político
resolver. Não cabe seguramente aos professores e à
escola solucionar os graves problemas sociais,
familiares e de saúde de muitos milhares de alunos e
das suas famílias. Os professores assumem as suas
responsabilidades, o Governo que assuma as suas.

Ao contrário do que diz a senhora ministra da
Educação, os professores não estão zangados por terem
recebido este ano mais 30 mil dos piores alunos. Não.
Os professores sabem que todos os alunos, melhores ou
piores, devem estar na escola e não na rua. Os
professores estão zangados, sim, é por lhes enviarem
esses alunos "difíceis" para a escola, sem os devidos
meios complementares que os permita recuperar de
facto. Onde está a intervenção na família, muitas
vezes destruturada e maltratante? Onde está a
intervenção ao nível da economia familiar, muitas
vezes, em colapso? Onde está a indispensável
intervenção terapêutica junto de muitas destas
famílias? Os professores são profissionais
polivalentes, têm uma formação em banda larga, alguns
até se assumem como missionários da causa, mas ainda
não têm o dom divino de fazer milagres. Não se formam
eficazmente alunos problemáticos com palmadinhas nas
costas, como não se tratam doentes graves com
aspirinas. A escola inclusiva não pode ser confundida
com um armazém de alunos, exige meios complementares
de apoio significativos para ter sucesso efectivo.

Abandono escolar

A diminuição do abandono escolar no último ano tem
sido um dos troféus apresentado por esta equipa do
Ministério da Educação. Como sempre, as estatísticas
devem merecer uma leitura mais atenta. O que fez
alguns milhares de alunos regressarem ou decidirem não
abandonar a escola? Além de outros factores, na minha
opinião, como a situação difícil do actual do mercado
de trabalho e a menor aceitação social da contratação
de menores, houve dois factores decisivos: a promessa
de diplomas profissionais fáceis e a oferta de
computadores portáteis a preço reduzido. O Governo
teve o mérito de pedir às escolas para recrutar o
maior número de alunos possível e estas deram o seu
melhor para o conseguir. O problema está no dia
seguinte.

Não faltará muito até as empresas começarem a
perceber que a leveza destes diplomas é incompatível
com as suas necessidades de recursos humanos. Não
basta conceder diplomas, é preciso que eles sejam
credíveis e aceites no mercado de trabalho.
Seguramente, alguns alunos tirarão proveito da
formação ministrada e faço votos para que sejam
muitos, será o País a ganhar. Todavia, o panorama não
se afigura cor-de-rosa, numa época em que as empresas
exigem cada vez mais dos seus profissionais. As
escolas podem fixar objectivos mínimos para os alunos
com dificuldades, mas nas empresas os objectivos serão
sempre máximos. E o pior que qualquer sistema de
ensino pode oferecer é diplomas sem credibilidade. 

Já aqui defendi que a solução profissional para
muitos destes jovens passa pela criação de uma bolsa
de mercado social de emprego, apoiado pelo Estado, ao
qual acederiam prioritariamente. Num mercado
concorrencial, onde grassa o desemprego, a
possibilidade de muitos destes jovens problemáticos
conseguirem um emprego duradouro é quase nula. Só
espero que, mais uma vez, não recaia sobre os
professores, que dão o seu melhor em condições muito
difíceis, o ónus destas políticas voluntaristas,
traçadas para fazerem brilhar rapidamente as
estatísticas. E estatísticas, como os chapéus, há
muitas.

Avaliação de professores

Porque contestam os professores unanimemente o
sistema de avaliação imposto pelo Ministério da
Educação? A recusa dos professores por este sistema de
avaliação é que não é justo, nem independente nem
objectivo. 
Vamos aos argumentos pró-governamentais que, por não
serem verdadeiros, tanto perturbaram a classe. O
primeiro argumento é o de que os professores não
querem ser avaliados, afirmação que a esmagadora
maioria dos professores não produziu, mas que tem
sido repetida até à exaustão pelo Governo e seus
seguidores, na esperança que uma mentira mil vezes
repetida se torne verdade. A posição dos professores é
clara: quem não deve não teme e qualquer avaliação
justa, independente e objectiva reconhecerá o seu
trabalho. Não é o caso deste sistema. 

Não lembraria a nenhum Governo de bom senso impor,
pela força, um sistema de avaliação a uma classe
inteira de profissionais, ainda mais tão respeitada em
Portugal, como no mundo. A ideia é tão peregrina que
Vicente Jorge Silva, ex-deputado do PS, admite no seu
blogue ter sido inspirada no Marquês de Sade: "A ideia
feita de que uma boa reforma é sempre uma reforma
impopular pressupunha uma relação sado-masoquista
entre o reformador e o destinatário das reformas,
gozando um o prazer de aplicar a dor e o outro a
delícia mórbida de sofrê-la." Freud explica, Vicente
Jorge Silva também.

Aliás, não seria difícil a este ou qualquer outro
Governo chegar a acordo com os professores e os seus
representantes. Contudo, decidiu o Governo, sem
qualquer base de sustentação, ficcionar que os
sindicatos não representavam os professores e manteve
teimosamente a tese até à véspera da espantosa (na
dimensão e no civismo) manifestação de 100 mil
professores. No método, esta reforma contra quase 150
mil profissionais, do Algarve ao Minho, formados nas
melhores universidades deste País, representou um
completo desrespeito pelos professores.

No conteúdo, também. Comecemos pela avaliação
pelos pares. O corpo docente de uma escola é composto
por apenas algumas dezenas de professores. Há relações
de proximidade, de afastamento, de indiferença e, até,
laços familiares. Ora, não sendo as relações entre as
pessoas neutras, que garantia de independência pode
ter a avaliação? O coordenador de departamento vai
avaliar a colega, que, por acaso, é a esposa?! Depois
de uma almoçarada, o presidente do conselho executivo
vai avaliar o colega, de quem é amigo desde a creche?!
Enfim, sem comentários. 

Por outro lado, entre os parâmetros a avaliar
estão uma série de itens subjectivos, como a
disponibilidade ou a relação com a comunidade. Há, por
isso, receios fundados de que este sistema promova,
não o mérito dentro das escolas, mas o compadrio
pessoal e político . Além disso, este sistema de
avaliação burocrático vai obrigar o professor, para
sua defesa, a tomar diariamente nota de todas as suas
actividades, o que poderá representar, ao fim do ano,
centenas de páginas e outras tantas horas perdidas
inutilmente que bem poderiam ser dedicadas aos seus
alunos. 

A avaliação dos professores irá depender da
progressão das notas dos seus alunos. Ora, como já
referi anteriormente, as notas dos alunos são
facilmente inflacionáveis ou manipuláveis. Por isso,
ou me engano muito, ou dentro de algum tempo, os
alunos portugueses irão ser os que mais progressos
registam no mundo! E ninguém pode levar a mal, afinal,
os professores são muito sérios, mas também têm
família para sustentar. Bem pode o Governo argumentar
que há mecanismos de controlo, que é quase impossível
provar este tipo de arranjos, mais ainda aplicado a
150 mil professores. 

Mesmo nas disciplinas sujeitas a exame, que
garantias tem o professor de ser avaliado com justiça,
mais ainda quando o grau de exigência dos exames não é
uniforme? O professor será tanto mais penalizado
quanto maior for a diferença entre a classificação
interna (atribuída pelo professor) e a classificação
do exame. Ora, não é linear que uma grande diferença
nas classificações se deva necessariamente a
incompetência do professor. Por vezes, basta as
perguntas serem formuladas de forma diferente ou com
utilização de outra terminologia, para que as notas
dos alunos desçam em exame, mesmo que as aprendizagens
tenham sido feitas. 

No limite, o método poderá também prejudicar os
alunos, se o professor começar, consciente ou
inconscientemente,a atribuir as classificações
internas a pensar já na estimativa dos resultados de
cada aluno em exame, de forma a que não haja grandes
diferenças entre as duas classificações. Todo este
sistema de avaliação à revelia dos professores me
parece imprudente e arriscado.

Imaginemos o que seria este método aplicado a
outras profissões. Se a avaliação dos polícias
dependesse dos resultados, dispararia o número de
multas aplicadas aos condutores. Se a avaliação dos
cirurgiões dependesse do número de cirurgias, teríamos
cirurgiões a ganharem 30 mil euros por mês, como já
sucedeu. Se a avaliação dos juízes dependesse do
número de processos, provavelmente não faltariam
turbo-juízes a despacharem processos. E se dependesse
das condenações, não haveria prisões que chegassem
para alojar os condenados. Se a avaliação dos
enfermeiros dependesse do número de injecções, não
faltariam pretextos para picas nos utentes.

Aplicar (mal) os métodos das empresas à
Administração Pública só pode dar maus resultados. Por
mais que alguns empresários mal informados deste País
queiram impor as suas receitas neoliberais ao Estado,
servir os utentes com justiça e imparcialidade não é o
mesmo que vender sabonetes. 

Repete o Governo que é preciso distinguir os bons
dos maus professores. Ora, quem percebe alguma coisa
de educação sabe que esta divisão maniqueísta entre
professores bons e maus não passa de uma ficção. Há
professores com umas características, outros com
outras e, de um modo geral, todas são importantes. A
escola é feita de diversidade e os alunos só têm a
ganhar em ter professores com características
diferentes. Há, por isso, também fundados receios de
que este sistema seja castrador das diferenças e
promova mais a intolerância do que o mérito.

Uns professores valorizam mais a autoridade,
outros a tolerância. Qual é o bom e qual é o mau? Um
professor traz as aulas milimetricamente preparadas,
outro é mais criativo e valoriza mais a interacção e a
participação dos alunos. Qual é o bom e qual é o mau?
Um professor é circunspecto, outro cultiva a
proximidade com os alunos. Qual é o bom e qual é o
mau? Como se vê, a avaliação de professores está muito
longe de ser uma ciência exacta. 

Outro cliché afirma que esta avaliação visa
distinguir os professores com vocação dos professores
sem vocação. Ora, não conheço nenhum "vocaciómetro"
para medir a vocação de cada um, sendo a noção de
vocação seguramente mais um estado de alma do que um
dado objectivo. Nada garante que um professor
supostamente com muita vocação seja melhor que um
professor com menor vocação, mas que faz o seu
trabalho com profissionalismo, como há péssimos
cantores a jurarem que nasceram para cantar e óptimos
músicos a dizerem que só o são por acidente. Exemplos
não faltam, na música, na profissão docente ou em
qualquer outra área. 

A acusação de corporativismo é também facilmente
desmontável. Em primeiro lugar, os professores
portugueses não vieram de Marte e, portanto, têm, pelo
menos, o mesmo crédito de patriotismo e sentido cívico
que os outros portugueses, trabalhem estes ou não no
sector privado. Acresce que a maior parte dos
professores também são pais pelo que a acusação de que
colocam os seus interesses pessoais acima dos
interesses dos alunos não faz sentido.

Além do crédito comum à generalidade dos
portugueses, os professores têm ainda o crédito de
serem um exemplo para os seus alunos. E são-no de
facto, ou não fosse a profissão docente das mais
escrutinadas do mundo, sendo o comportamento de cada
professor controlado diariamente por centenas de
alunos, pais, auxiliares de acção educativa e pelos
próprios colegas professores. Dificilmente este
sistema de avaliação, informal mas efectivo, toleraria
professores que não fossem um exemplo, pelo menos na
escola. Têm, portanto, esse crédito acrescido. 

Por último, uma nota para o novo sistema de gestão
das escolas. Como já referi atrás, a comunidade
docente numa escola reduz-se a algumas dezenas de
professores. De entre estes, pouco mais de uma dezena
podem, geralmente, ascender ao cargo de director,
sendo necessário, para tal, experiência no cargo ou o
curso de Administração Escolar. Ora, este número, em
muitos casos, é claramente insuficiente para garantir
massa crítica e proporcionar a indispensável
pluralidade de opções para o cargo. Muitas vezes, só
irá haver um candidato ao cargo de director. Por isso,
nada garante que o futuro director seja uma pessoa
reconhecidamente competente no cargo.


A democraticidade interna das escolas assegura
hoje que estejam em cargos intermédios pessoas tanto
ou mais capazes que os presidentes dos conselhos
executivos, o que permite às escolas respirarem mesmo
que um presidente do conselho executivo seja menos
competente ou dialogante. Ora, o novo modelo de gestão
escolar vai concentrar todos os poderes numa só
pessoa, o que não garante necessariamente maior
eficácia às escolas e vai fatalmente potenciar
situações de prepotência e compadrio pessoal e
partidário. Uma vez mais se comete o erro de importar
mal um modelo das empresas para a Administração
Pública, apesar de serem realidades completamente
diferentes.

Nas últimas semanas, temos assistido a um frenesim
de comentadores do regime brandindo as estatísticas da
educação para defender que "é preciso fazer qualquer
coisa" e que estas "reformas" têm de continuar. Ora, o
que o País certamente não precisa é que se faça
"qualquer coisa": isso foi o que fizeram os 26
ministros da Educação dos últimos 30 anos! O
Ministério da Educação não deve ser um campo para o
experimentalismo inconsequente nem palco de reformas
voluntaristas. O que Portugal precisa é que a Educação
seja definitivamente levada a sério e executada
serenamente com o aval de quem sabe do assunto: os
professores."

Mário Lopes

director@tintafresca.net

in

http://www.tintafresca.net/News/newsdetail.aspx?news=3b1be272-e05b-4e57-ae03-7719058cb703&edition=89

Edição Nº 89 - Terça, 25 de Março de 2008

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