Tem-se vendido muito bem

Como algumas pessoas sabem, antes da profissão que tenho tinha outra. Tive outras, aliás, mas oficial, com descontos para a caixa e essas coisas, uma.
Entre outras muitas coisas que tinha que fazer, vender era suposto. Imperativo. No início, antes de perceber porquê, o argumento que mais me espantou nesta profissão de aviação (de aviar) foi "Esta peça tem-se vendido muito bem" ou "Tem saido muito". Não me lembro se alguma vez, por imitação, o utilisei, mas penso que não. Se sim, de certeza que foi com desconforto. Porquê? Para mim tal argumento não fazia sentido. Por que cargas de água haveria alguém de desejar um artigo de vestuário que, verdade ou não, já muita gente tinha comprado? O que levaria o portador de um desejo, ou necessidade, de melhor se apresentar, a escolher uma peça que encontraria repetida nas ruas? A coisa parecia-me pouco original.
Sei a resposta agora. Soube-a na altura, um pouco mais tarde, quando a ingenuidade, naquele ponto, me abandonou. Mas continuo a não compreender muito bem o argumento de venda. O resto sim. A aceitação social. As pessoas sentem-se bem ao saber que há outras pessoas a tomar a mesma decisão. Mais quanto mais a compra for arrojada.
Viver desalinhado, vestir desalinhado não é para todos.

P.S.: estacionar em cima do passeio e outros que tais rege-se pelas mesmas regras; quanto mais carros já lá estiverem menos sentimento de culpa, menos ameaça (psicológica) de multa, mais probabilidade de transgressão. Estacionar correctamente é desalinho.